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Música é uma peça de museu

março 25, 2010
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Tô pra falar disso faz tempo. Já fui mal interpretado por emitir essa opinião em outro blog, meses atrás – tacharam de coisa de velho ranzinza e saudosista, mas não é. É opinião de músico quando pensa em música, somente música, quase independente dos satélites culturais que a orbitam (comportamento, moda, games, comunicação mobile, redes sociais, televisão…). E tem uma consequência importante que quero expor na segunda metade deste post.

Curto e grosso: a música popular já é uma peça de museu. Os sons do século XX viraram clássicos – e como todo gênero clássico, são mais dificeis de serem alterados. A música pop e popular virou tradição. Uma cultura realmente nova e fresca está sendo feita e divulgada pela internet e pelos games, não mais pela música. Music is the old black. A inovação está em outro lugar. Por isso, cada vez menos gente tem ouvido e comprado música – não é só a questão da pirataria e dos torrents e P2Ps, não: a música hoje incorpora menos significados e aspirações do que já o fez .

O que não quer dizer que não existam ótimos músicos criando e tocando bem, e gosto de muitos deles. Apenas não estão sendo inovadores, em sua maioria.

Devagar com o andor. Um exemplo: o rock usa a mesma instrumentação há 60 anos. Sessenta. Guitarra, baixo, bateria, órgão/piano e o pessoal no vocal. Vieram vários teclados na virada dos 60 pros 70, a linguagem da música pop foi se modernizando, mas essa estrada se estagnou já faz tempo. Me entusiasmei com o hip hop e a música eletrônica, pelo uso e abuso que fizeram da herança musical do planeta, e pelo novo instrumento que trouxeram – o computador. Mas isso não é mais novidade, também. E mesmo assim, usar e abusar dos samples é legal pelo método de trabalho – edição, colagem – mas a linguagem musical continua sendo a mesma: os acordes, as escalas, melodias e ritmos são basicamente os mesmos. Samplear está situado em algum lugar entre a homenagem e o roubo, e é uma criatividade que se realiza no jeito de fazer, mas não no sumo do que se faz. É enrolar o pão com estilo, mas sem trocar a farinha.

Me diga como é que dá pra se entusiasmar – de verdade – com estilos musicais que não mexem em suas fórmulas há 30, 40, 50 anos?

Não é à toa que se fala em “classic rock”. O rock já é clássico, e mesmo o ‘novo’ rock copia os modelos de décadas atrás – mind set que surgiu, forte, nos anos 80. Quem mais é clássicão por aí? O samba, o choro. Você pode brincar com novas linguagens no samba, como fizeram os tropicalistas e como faz atualmente Rômulo Fróes, mas o centro gravitacional da tradição volta sempre a te puxar de volta, forte. Quem mais? O soul e o funk são clássicos – classudos e suados. O jazz é bastante, e Wynton Marsalis leva a bandeira da tradição há mais de 20 anos. O electro-rock atual é o tecnopop dos ’80 reciclado. O reggae, a chanson francesa, o baião, o côco, o folk… Aliás a atual tendência do folk-indie-pop-rock, que na média eu curto, é um jeito conservador de se compor canções com melodias assobiáveis e ao mesmo tempo se contrapor à eletrônica e ao rock-Strokes anteriores. É a sobremesa que marca a diferença com o salgado prato anterior.

Um post me chamou a atenção, ano passado. Nele, a pesquisadora Amanda Palmer relata em uma conferência sua experiência como fã do REM e chega a uma conclusão que me fez pensar bastante: os fãs existem porque precisam se relacionar, e tanto faz quais sejam seus idolos. Tanto faz. Os idolos seriam um canal, um motivo para seus fãs se aproximarem. O U2 é o que é não apenas por sua música, mas porque criou uma rede de fãs que se identificam entre si. Marisa Monte só existe porque seus fãs se reconhecem. Em outras palavras, não interessam os músicos, o que interessa é seu público. Claro que dá pra relativizar esse discurso – é preciso – mas existe uma profunda verdade nas palavras dela (veja aqui).

E se a música estiver se dando cada vez menos a seus fãs? E se sua linguagem estiver se engessando a ponto de despertar cada vez menos interesse e arrebanhar cada vez menos pessoas? Se as redes sociais são mais interessantes para se relacionar com outros, a música deixa de ser o foco principal e vira coadjuvante na vida das pessoas – mais do que já era . Se você for adolescente hoje em dia, talvez sua preferência seja jogar on_line. A música está lá, como trilha do game, mas não é por causa dela que você convida seus amigos para detonarem no novo PlayStation. Agora se fala em cinema 3D e em como ele poderá trazer mais gente às salas de projeção. Tudo isso são aglutinadores culturais, e cada vez mais a atenção das pessoas está esfarelada e pouco focada – snack culture, já ouviu falar? E, se a música virou um acessório clássico no meio de uma cultura descentralizada e dinâmica , é óbvio que terá menos poder de mobilizar pessoas.

A música deixou de inovar. Não estou falando dos novos meios digitais (legais ou ilegais) de distribuí-la, me refiro à própria criação musical. Mesmas melodias, mesmos instrumentos, mesmos acordes, mesmos ritmos. Com licença que a fila precisa andar: tem coisa mais interessante para se fazer do que ouvir música. Talvez isso seja uma peneira, provavelmente é. Vamos ver.

2 Comentários leave one →
  1. fevereiro 13, 2012 11:47 am

    Não entendi. Tem que ser “inovador” pra ser bom?
    Artistam precisam, necessariamente representar uma “ruptura” em relação aos precedentes?

  2. marcosazambuja permalink*
    fevereiro 13, 2012 4:37 pm

    Oi Sérgio,

    obrigado por seu questionamento 🙂

    Não, nem todo artista precisa ser inovador para ser bom. “Ser bom” em música, é ter uma intuição musical apurada, seja como intérprete, instrumentista, compositor, dj, produtor musical, etc. Inovadores são minoria, e isso não é problema algum (desde que hajam bons discipulos).

    Mas uma GERAÇÃO de artistas que não apresenta inovações é uma geração problemática. Sem inovação não se vai pra frente, e no limite, se morre (esse é o tema central do post, a substituição do interesse pela música por outros assuntos, na vida das pessoas). “Pô, e não apareceu gente boa nos últimos dez, quinze anos?”. Apareceu sim, muita gente super musical. Mas alguém inovou a LINGUAGEM? Se deixei escapar alguém, por favor me grite o nome – não vou passar por onisciente e não sou capaz de conhecer TODOS os artistas novos, em todas áreas.

    No mundo todo, essa última geração vem inovando no modo de se divulgar um trabalho artistico e de se administrar uma carreira. Tchau gravadoras , oi independentes e internet. Os músicos estão empenhados em aprender a gerenciar seus talentos, os blogs e os jornalistas louvam isso, mas todos se esquecem de FAZER AVANÇAR a música. É como uma grande festa de ressacas vazias: e tome novas intérpretes de um Soul redivivo, de um Neo Folk (já agonizante, de tanto ter sido usado pela publicidade), de uma “nova onda roqueira” (ah, os ‘novos Strokes’… pois se os Strokes já não eram novos nem quando surgiram – eram energéticos e tinham frescor, mas não eram NOVOS).

    Ranheta? Não sou. Só quero que se invista mais energia na criação, ao invés de apenas na divulgação. Todo mundo está aprendendo a vender o próprio peixe? Ótimo. Pois que seja peixe de boa qualidade.

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